Os
gregos antigos tinham razão. Hipócrates, o Pai da Medicina, notou 400 anos
antes de Cristo que a escolha dos alimentos certos para o ser humano era o
resultado da sabedoria acumulada ao longo das gerações, ao preço de muitas
tentativas, erros e descobertas. Desse esforço, dizia ele, nasceu a dieta ideal
para “a saúde e a segurança” do homem. “A essas investigações e achados, que
nome poderia se dar mais adequado do que Medicina?”, perguntou Hipócrates em
sua obra Da medicina antiga. Dois milênios e meio depois, o ser humano
entende cada vez melhor que a boa alimentação é um excelente método de medicina
preventiva. Graças ao avanço da ciência da nutrição, descobrimos as substâncias
benéficas e maléficas nos alimentos. Entendemos melhor do que nunca o que se
deve comer para viver mais e melhor. E as pesquisas recentes levam a uma
conclusão surpreendente, que faria Hipócrates sorrir: nas dietas tradicionais,
criadas séculos atrás por diferentes povos em todos os cantos do planeta, estão
muitas das virtudes indispensáveis a uma dieta saudável. Uma dieta que pode ser
seguida sem a culpa incutida nos últimos anos por uma série de estudos que
parecem nos proibir de comer o que é saboroso.
Os
estudos não devem ser ignorados – eles alertaram, por exemplo, para os danos à
saúde provocados por muitas substâncias adicionadas aos alimentos
industrializados –, mas não devem ser vistos como uma forma de repressão
alimentar. “As pessoas têm de buscar o caminho do prazer, não da restrição”,
diz Richard Béliveau, professor do Departamento de Bioquímica da Universidade
do Québec, em Montreal. “A ‘junk food’ (‘comida lixo’, nome usado para
definir a comida industrial de baixo valor nutricional) é, literalmente,
monótona. As dietas tradicionais têm muito mais variedade: são simples e
deliciosas.” Béliveau, autor do livro A saúde pelo prazer de comer bem
(ainda inédito no Brasil), faz parte de um grupo de pesquisadores que prega o
resgate das tradições culinárias de cada país como modo saudável – e saboroso –
de se alimentar.
Entre
as dietas capazes de conciliar saúde e prazer, a mais conhecida é a
mediterrânea. Estudos e mais estudos relacionam os alimentos consumidos
tradicionalmente em países como Grécia, Espanha e Itália à redução de doenças
crônicas. Na dieta mediterrânea, destacam-se o azeite de oliva, as castanhas e
o consumo moderado de álcool, geralmente vinho – todos associados à redução de
risco de doenças cardiovasculares. Um dos estudos mais relevantes foi
completado meses atrás pela Universidade de Florença, na Itália, e publicado no
British Medical Journal. Uma equipe liderada por Francisco Sofi,
pesquisador de nutrição clínica, compilou dados de várias pesquisas feitas
entre 1966 e junho de 2008 e concluiu que a dieta mediterrânea está associada a
uma redução de 9% na mortalidade geral e na mortalidade por doenças
cardiovasculares, uma diminuição de 6% na incidência de câncer e de 13% na
incidência de Parkinson e Alzheimer.
A
dieta mediterrânea, porém, não é a única capaz de garantir uma alimentação
saudável sem culpa. Os estudos mais recentes mostram evidências dos benefícios
de costumes de japoneses, indianos – e brasileiros – à mesa. Qualidades comuns
às dietas tradicionais desses povos são a abundância e a variedade de legumes e
verduras – e a ausência de alimentos industrializados. Da tradição culinária
japonesa herdamos o consumo de alimentos valiosos, como soja e chá verde,
contra o câncer, e peixes ricos em ômega-3, importantes para a saúde do coração
e do cérebro. A dieta indiana nos inspira a substituir o sal por pimentas e
especiarias como a cúrcuma, que combate o câncer, e a limitar o consumo de
carne vermelha. E a brasileira nos ensina a respeitar uma proporção adequada
dos alimentos no prato e incentiva o consumo de frutas.
A
mistura do feijão com o arroz cria o mesmo tipo de proteína da carne, e a
salada traz os fitoquímicos que combatem o câncer”, afirma o neurologista
francês David Servan-Schreiber, autor do best-seller Anticâncer (editora
Objetiva), livro cuja tiragem mundial já ultrapassou 1 milhão de exemplares. “A
proporção de 75% a 80% de vegetais para 20% a 25% de carne em um prato é
perfeitamente saudável e costumava ser a base da maioria das dietas
tradicionais”, diz ele. “O prato tradicional brasileiro é o que os
nutricionistas gostariam que todo mundo comesse”, diz Mônica Elias Jorge,
nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
*As
tradições à mesa deram lugar a uma alimentação globalizada não necessariamente
ideal. A predominante dieta americana, segundo Servan-Schreiber, é perigosa.
Não se trata de americanofobia francesa (Servan-Schreiber é professor da
Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e fala um inglês perfeito).
Nesse tipo de dieta, 65% das calorias ingeridas vêm de três fontes: açúcar
refinado, farinha refinada e óleos vegetais com ômega-6. Além de não fornecer
nutrientes e vitaminas vitais, esses ingredientes levam à obesidade,
considerada pela Organização Mundial da Saúde uma das ameaças mais graves à
saúde. “A obesidade é o ponto comum de doenças como diabetes, câncer, doenças
do coração e Alzheimer”, diz Richard Béliveau, da Universidade do Québec.
Estudos
confirmam a sabedoria de dietas
tradicionais, como a mediterrânea e a japonesa
Toda
vez que comemos açúcar, nosso corpo secreta hormônios que estimulam o
crescimento das células. Esse processo é importante nas crianças, que precisam
ficar mais altas, mas é prejudicial depois da fase de crescimento. “Nos
adultos, as únicas coisas que crescem são gordura e câncer”, diz
Servan-Schreiber. Segundo dados da American Heart Association, entidade
americana de combate às doenças cardiovasculares, um índice de massa corporal
acima de 30 (para saber o seu, divida seu peso por sua altura, em metros, ao
quadrado) reduz a expectativa de vida em cerca de sete e seis anos,
respectivamente para mulheres e homens não fumantes na faixa dos 40 anos. A
obesidade parece estar relacionada a um aumento do risco de demência na
terceira idade. Segundo uma pesquisa divulgada em janeiro pela Universidade
Colúmbia, em Nova York, o acúmulo de gordura na cintura em adultos jovens
amplia o risco de desenvolver Alzheimer na velhice.
Nos
Estados Unidos, país com 32% de adultos obesos, a expectativa de vida é de 78
anos e a taxa de incidência de câncer é de 357 casos a cada 100 mil habitantes,
segundo a International Agency for Research on Cancer. No Japão, 3% dos adultos
são obesos, a expectativa de vida é de 82 anos e a incidência de câncer é de
214 por 100 mil. É claro que a alimentação não é o único fator para a obesidade
– o sedentarismo também tem sua contribuição –, mas a comparação entre Japão e
Estados Unidos, dois países ricos e com recursos médicos avançados, serve de
alerta para o Brasil. Por aqui, a obesidade já afeta 11% da população adulta,
18% dos meninos e 15,5% das meninas. Como reduzir esses índices? “A tendência é
que a medicina preventiva cresça cada vez mais”, afirma o médico Heno Lopes, da
Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
de São Paulo e autor do livro Dieta do coração (editora Abril). Mudar
hábitos alimentares não só reduziria os custos com o tratamento de doenças, mas
melhoraria a qualidade de vida das pessoas.
Fonte: Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário